FUNGOS MICORRÍZICOS ARBUSCULARES:MUITO ALÉM DA NUTRIÇÃO. Berbara, R., Souza, F., & Fonseca, H. Sociedade Brasileira de Ciências do Solo, 2006.
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“Plantas não têm raízes, elas têm micorrizas”. Essa sentença foi proferida décadas atrás por J.L. Harley com o intuito de alertar ecologistas e biólogos para o fato de que, em condições naturais, a maioria das espécies de plantas se encontra associada a determinados fungos de solo numa simbiose mutualística do tipo micorrízico, do grego mico [fungo] e riza [raiz]. Indo além das relações funcionais que se estabelecem entre plantas e esses fungos, van der Heijden et al. (1998a,b) enfatizaram que “associações micorrízicas devem sempre ser consideradas quando se busca entender a ecologia e evolução de plantas, suas comunidades e ecossistemas”. Essa consideração está baseada em experimentos que demonstram o papel dessa simbiose no resultado da competição e sucessão de plantas, bem como na hipótese de que a evolução de plantas terrestres tem sido dependente da presença dessa simbiose (van der Heijden et al., 1998a,b; Kiers et al., 2000; Klironomos et al., 2000; Cairney, 2000; Brundrett, 2002; Allen et al., 2003). Atualmente, são reconhecidos seis tipos diferentes de associações micorrízicas, sendo algumas delas muito específicas, encontradas em apenas algumas famílias de plantas terrestres (Arbuscular-, Arbutóide-, Ericóide-, Ecto-, Monotropóide- e Orquidóide). Para detalhes sobre esses tipos, ver Siqueira (1996). Neste capítulo serão enfatizadas as micorrizas arbusculares, em particular devido a seu caráter ubíquo, seu papel vital para a sustentabilidade da agricultura em regiões tropicais e seu potencial biotecnológico,com impacto na estrutura de comunidades vegetais e no dreno de C atmosférico.O caráter cosmopolita dessa simbiose advém de levantamentos que indicam que 80 % das famílias de plantas são formadas por espécies que formam micorrizas arbusculares (MA). Ela é encontrada em todas as latitudes e em quase todos os ecossistemas terrestres (Siqueira & Franco, 1988). A simbiose micorrízica arbuscular é a mais ancestral dentre todos os tipos de micorrizas conhecidas. Evidências fósseis indicam que as primeiras plantas terrestres já estavam colonizadas por fungos que apresentavam estruturas miceliais e esporos similares aos dos atuais fungos arbusculares (FMA) (Redecker et al., 2000b). Atualmente, a maioria das angiospermas e muitas gimnospermas pteridófitas e briófitas formam associação com FMA (Smith & Read, 1997). Além disso, é provável que eles sejam os fungos de solo mais abundantes na maioria dos ecossistemas tropicais, principalmente nos sistemas agrícolas, onde eles podem representar quase 50 % da biomassa microbiana (Olsson et al., 1999). Devido a essa ubiqüidade, essa simbiose tem sido considerada a mais importante de todas as que envolvem plantas. Essa associação é simbiótica, pelo fato de os organismos co-existirem em um mesmo ambiente físico, raiz e solo, e mutualística, porque, em geral, ambos os simbiontes se beneficiam da associação. Ela é considerada como mutualista nutricional, em que a planta supre o fungo com energia para crescimento e manutenção via produtos fotossintéticos, enquanto o fungo provê a planta com nutrientes e água. Nesse sentido, essa simbiose amplia a capacidade de absorção de nutrientes por parte do simbionte autotrófico e, conseqüentemente, a sua competitividade interespecífica e produtividade. A sustentabilidade da produção agrícola está ligada aos efeitos benéficos das micorrizas sobre a nutrição de plantas, principalmente com relação à absorção de P, que é um recurso natural não- renovável. Várias espécies de plantas respondem positivamente à inoculação com fungos MA, entre elas café, soja, milho, batata-doce, mandioca, canade- açúcar, além de várias essências florestais e frutíferas brasileiras. A contribuição dos fungos MA para a nutrição fosfatada de plantas está amplamente aceita e documentada na literatura nacional e internacional. No entanto, os serviços prestados pelo fungo vão muito além da nutrição de plantas individualizadas, pois eles também contribuem para a estruturação de comunidades vegetais. O micélio de fungos MA freqüentemente interconecta o sistema radicular de plantas vizinhas da mesma espécie ou de espécies distintas. Nesse sentido, a maioria das plantas está interligada por uma rede de hifas micorrízicas comum, durante alguma fase do seu ciclo de vida (Newman, 1988). As conseqüências dessa trama micelial para a competição interespecífica em comunidades vegetais sugerem que ela seja elemento importante na definição da sucessão vegetal,conforme ainda será discutido. Como decorrência dessa imensa quantidade de hifas produzidas por FMA, existe significante impacto sobre a estruturação e estabilidade de agregados em solos (Jastrow et al., 1998). Essa função é importante, porque a estruturação do solo modifica a capacidade de mobilização de nutrientes, o conteúdo de água, a penetração de raízes e o potencial erosivo dos solos. Fungos MA conferem também incrementos à resistência de plantas diante do ataque patogênico (Hwang et al., 1992), à tolerância ao estresse hídrico,à eficiência fotossintética (Brown & Bethlenfalvay, 1987) e ao intemperismo de minerais (van Breemen et al., 2000). Como conseqüência, existem evidências de que FMAs colaboram no aumento do dreno de C da atmosfera, variável importante e pouco estudada diante dos processos de mudanças climáticas (Leake et al., 2004). Essas características fazem com que a simbiose micorrízica arbuscular tenha potencial biotecnológico e ecológico imenso ainda a ser explorado. Neste capítulo serão discutidas essas associações em um contexto mais abrangente,que ultrapassa seus impactos sobre a nutrição mineral de plantas, uma vez que, por mais importante que eles sejam, aspectos relevantes estão por ser desvendados. Considerações básicas são também abordadas, de forma que possibilitem a leitura por um público mais amplo.

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